THE WIRE, a 1ª temporada: tudo faz parte do jogo.

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Em sua primeira temporada, The Wire acompanha o cotidiano de policiais de Baltimore investigando as atividades de um traficante de drogas através de uma escuta telefônica enquanto lidam tanto com a burocracia do sistema quanto com as próprias limitações, ao mesmo tempo que mostra o cotidiano dos traficantes e de usuários de drogas convivendo com a violência e as contradições da vida nos guetos norte-americanos.

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Demorei, mas enfim cheguei nela. 15 anos após seu lançamento – e depois de tanto ouvir falar –, eis que finalmente achei espaço pra uma das séries mais badaladas de todo o extenso histórico da HBO: The Wire. Que, a propósito, já conseguiu de cara, e brincando, aquela vaga preciosa entre as melhores produções televisas que eu já assisti.

Série simples e de estética, talvez, pouco atrativa aos mais exigentes – espelho da realidade urbana aturdida que a trama retrata –, mas que reserva aos pacientes e pouco avexados muita substância. Se, por um lado, a simplicidade e falta de brilhantina estética não apetecem os gostos mais contemporâneos, por outro lado, The Wire se inicia sendo tanto uma baita análise crítica do mundo das drogas quanto, por consequência, um ressonante soco na boca do estômago.

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Essa temporada de estréia de The Wire é um absurdo de ótima, mas anda longe de ser uma série policial pra qualquer um – e imagino que as coisas, e sobretudo seu tom, não mudem tão drasticamente assim de uma temporada pra outra. Aliás, sendo bem franco, acho que ela não é nem mesmo pra todo e qualquer fã do gênero. Você pode ser o fã mais obstinado de todas as estirpes de Thrillers Policiais; pode ter amado True Detective (2014-2015), pode ser fã de carteirinha de Bones (2005-) e, sei lá, pode achar Criminal Minds (2005-) massa pra caralho (o que não é um problema em nenhum dos casos), mas, ainda assim, pode ser que não encontre em The Wire aquilo que busca numa série policial.

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Em The Wire você não vai encontrar estopins hollywoodianos de violência, estudos sistemáticos e expositivos de crimes e as suas razões, e nem policiais que, linha-pós-linha do texto, emergem em discursos e inquietações existenciais. Com os dois pés extremamente acimentados no chão, The Wire é dona de uma frieza e realismo acapachantes. É tão preocupada em fazer da ficção um retrato fidedigno da realidade, que é praticamente impossível encontrar em qualquer um de seus segmentos, algo que se desligue do cotidiano e suas ordinariedades. Nem um pouco à toa, a série foi criada por David Simon, um ex-jornalista, e Ed Burns, um ex-policial e professor em Baltimore. O que se vê na série vem quase diretamente do tato de ambos os criadores com a realidade da criminalidade em Baltimore.

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Os meandros do tráfico e de uma investigação sob a ótica de uma equipe policial e dos próprios traficantes, acrescentadas incursões sobre as velhas safadezas sistemáticas e institucionais as quais nós estamos muito bem habituados: política podre, justiça sacana e a polícia hora suja, hora de mãos atadas; tópicos que, no fim das contas, acabam tendo uma importância por vezes maior que a própria trama central. E sem medo de incomodar os paladares mais confortáveis, a série ainda encontra espaço para abordar a homossexualidade em meio a todo aquele universo. Escapa-me a possibilidade de analisar como andava, lá pelo engatinhar da década de 2000, a relação entre TV e homossexualidade, mas foi gratificante observar que, à revelia de genericidades, The Wire opta por apresentar o assunto sem apoio em bandeiras, usando-o como um artifício expresso – o que talvez tenha incomodado quem esperava que alguma eloquência crítica viesse junta –, mas que não deixa de ter lá sua funcionalidade, além de um desígnio tramático: como tudo na série, a homossexualidade é concebida como um modesto fragmento, um fato da realidade que acontece pura e simplesmente. E, por mais que aparente o contrário, há mérito nisto.

Tudo é milimetricamente costurado por um roteiro astuto, incisivo e imparcial. Ela pode se passar ali, isolada em Baltimore, mas há reflexos dela em todos os lugares. Há muita coisa acontecendo, muita mesmo, e é preciso atenção pra conseguir depreender tudo que é necessário das camadas que a série traz consigo.

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Outra ressalva a ser feita aqui diz respeito ao elenco da série. Todo o cast principal está incrível, e parte importante do que a série é, pelo menos, nessa primeira etapa, se deve a ele. No que diz respeito as atuações, não há nada realmente digno de indicações à prêmios, há de se convir, mas o nível de entrega do elenco é objetivamente formidável, porque atende perfeitamente às demandas de tom de cada segmento da trama, necessárias para extrair do grupo atuações que exprimem veracidade naquele contexto.

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Agora, aliás, eu entendo porque tanta gente enche o peito pra falar que essa é uma das melhores séries já realizadas em todos os tempos – senão A. Daqui, longe de dar um saldo final – já que ainda me faltam quatro temporadas –, é preciso atestar: The Wire não é perfeita, e está longe de tal status. Mas essa é uma distância segura, até proposital; longe de uma busca desvairada por ser perfeita, a impressão que ela deixa é que ser suficiente já é mais do que suficiente. É um baita trabalho!

Que início, cara.

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