Wheelman: a vida fora-da-lei e as agruras de um oprimido amor paterno.

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Um motorista (Frank Grillo) trabalha para um grupo de criminosos que assalta um banco. No entanto, o plano dá errado e o motorista descobre que foi traído. Agora, ele tem de usar suas habilidades para tentar escapar da morte ao receber ordens anônimas pelo telefone.

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Lançado na última sexta-feira (20), Wheelman é uma produção original da Netflix que deve agradar quem está a procura de um bom Thriller de Ação, ou seja, de um filme mais focado em Suspense do que em tiro, porrada e bomba (ainda que eventualmente possua momentos assim). Friso isso de antemão porque o filme vem sendo bastante confundido com um longa de Ação usual, common sense e, consequentemente, desagradando a quem o assiste. Muito disso se dá, em parte, pelo relativo lugar-comum criado em torno da figura dos motoristas em produções cinematográficas do gênero e, vocês devem concordar, o que não falta são exemplos: de cara, temos todos os Velozes e Furiosos, todos os Carga Explosiva e, ponto fora da curva dessa leva, até o ótimo Baby Driver – produções sempre focadas em personagens incrivelmente astutos na arte da direção (o que não é, de modo algum, um problema). Wheelman se encontra com Drive (2011), passa por Caçador de Morte (1978), respira um pouco de Taxi Driver (1976) e tem semelhanças de condução bastante agudas com Locke (2014). Sendo assim, ele deve agradar mais a quem se encaixa na união destes perfis.

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Dirigido por Jeremy Rush, estreante em longas-metragens, Wheelman acompanha um motorista de fuga que acaba tendo um serviço rotineiro transformado em pesadelo quando recebe a ligação de um desconhecido. Simples em todos os seus aspectos, o filme consegue ser igualmente eficiente em praticamente todas as funções que toma para si, mesmo optando por uma abordagem bastante inusual para os filmes do tema. Exemplo disso, remetendo a Locke, é a opção de perspectiva da direção, cuja câmera fica, na maior parte do tempo, alojada dentro do carro, girando sempre em seu próprio eixo (e, quando externamente, apegada ao veículo – excetuando um único momento onde, do lado de fora, ela se comporta de modo habitual). Escolha acertada, a intenção disso, senão dar ao expectador uma noção mais proximal de como seria estar na pele daquele motorista (ou de estar na carona dele rs), era de fazer dos carros em si condutores narrativos da trama e, no mais da coisa, é claro: fugir daquele lugar-comum estabelecido por produções semelhantes.

Contudo, não bastava apenas pôr a câmera dentro carro e esperar a mágica acontecer. Era preciso um contexto e foco narrativo consistentes – o que, felizmente, há aqui. No fato de o filme se passar dentro dos carros pilotados pelo protagonista na maior parte do tempo, há um interessante senso de opressão e oclusão (representações de sua vida como criminoso?), que acaba sendo determinante em, pelo menos, dois sentidos: na construção da tensão do filme e como complemento a condição, digamos… dramático-familiar do motorista. Usando-se de seus artifícios em prol de contar este curto episódio da vida do motorista, o suspense do filme, nada tímido, se nutre de seu senso de isolamento a das relações que o protagonista mantém com todos através do celular, durante a maior parte do filme, o que potencializa tudo justamente por haver pouco ou nenhum contato imediato com as figuras que, ligação após ligação, agravam a situação do protagonista em sua jornada.

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Que esse delimitado espaço diegético do filme colabora com a tensão de toda aquela situação, nós já sabemos, mas, mais afundo, ele também trás consigo contribuições valiosas sobre a dinâmica entre o crime e a vida particular do protagonista,¹ que é relativamente distante da própria filha (Caitlin Carmichael) e vive em pé de guerra com a ex-esposa, justamente por conta de sua vida imbuída em trabalhos. Mesmo que a simplicidade seja a base de tudo aqui, Wheelman não a usa como desculpa para fugir de componentes dramáticos. É possível depreender um subtexto consistente a versar sobre o lado humano da vida fora-da-lei, sobre como essa conjuntura pode respingar no seio familiar e furtar as delicadezas de uma boa relação paterna, por exemplo. Aquela ligação onde o “salve minha família, e eu salvarei a sua” é dito elucida bem essa dinâmica.

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Como visto, por mais que não alcance as profundidades de um Drama pomposo, em seus pouco mais de 80 minutos, a produção de Jeremy Rush consegue estabelecer elementos emocionais sólidos, possibilitando uma conexão entre nós e a situação vivida por seu personagem principal. Wheelman é definitivamente bem sucedido em muitos aspectos de sua construção. Outro destes, e talvez o mais importante de todos, é o desempenho exemplar de Frank Grillo como o inominado protagonista, a quem conhecemos somente como “motorista”. Se haviam, antes daqui, dúvidas a respeito da capacidade de Grillo carregar, sozinho e bem, um filme, este longa pode servir para sanar tais incertezas. Grillo assume o papel com garra e entrega uma atuação que, mesmo sob vestes de rispidez e truculência, encontra-se com traços bem consistentes de afetuosidade.

Infelizmente, ao fim, tive a impressão de que o filme sofreu com um vácuo inexplicável causado por uma boa intenção da direção,² que se revela numa (possível) inconsistência, que (até agora) não se salvou nem através da mais enérgica tentativa de resposta. Este problema, se objetivo, certamente não merece descrédito, mas também não suplanta ou desfaz os méritos obtidos pelo filme até ali.

Mais um acerto da Netflix, Wheelman é, sim, um bom filme. Simples, direto e, principalmente, eficaz.


Por: Ericson Miguel
Em: 27/10/2017


[1]: Pode conter spoilers: Ao fim do filme, observamos sua filha sair do
     carro e encontrar a mãe num restaurante. Ele, o motorista, fica no
     carro. Permanece lá, recluso, quase como um estranho observando aquele
     momento. A cena nos diz muito sobre como funciona (ou como funcionará
     dali adiante) a relação dele com sua família: de longe, sem deixar que
     sua vida pregressa as ponha novamente em risco.

[2]: Afinal de contas, como a ex-esposa dele chegou ao restaurante antes
     dele?

 

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